VI
novembro
não é mais do que uma
lua solta sem raiz no leste,
sem poder para embeber a terra
e anular-lhe
a face empedernida e velha.
mal se desloca a sombra
na paisagem
e as hastes permanecem vegetal grafia
a destacar-se
num céu aquém de encostas confundidas.
e nem anula o pó
do trote das manadas
á volta das cacimbas,
e nem os animais ainda aspiram
urgência de viagens.
a chuva de novembro
traz a marca
da podridão latente
(o que escurece
o grão da perspectiva,
acama a derradeira espiga
preservada
e marca de impotência
o som redondo
que se projecta curto).
VII
cansa olhar
ondulações sem brilho.
a claridade crua
de um sol que se não vê.
a próxima matéria
de um céu sem altitude.
a contenção do gesto
e das funções.
o navegar a mais serena ausência de contorno,
o chão sem som,
a sombra sem azul,
o ar sem eco,
sem fibra,
sem chicote.
VIII
depois,
a pouco e pouco
decanta-se o alvoroço
e muda, em nós,
a direcção do vento
vespertino.
o cacto agradecido
espiga já
e amadurece a flor
mais reservada
e rara,
rubro espinho cravado
na teimosia opaca
do dorso de dezembro.
a nitidez das serras
denuncia
o altear das brumas.
e os dias de janeiro,
renovados de vigor continental,
sucedem-se cada vez mais jovens,
dando-se as mãos na noite seca
e percutindo nela
o brusco estralejar da lenha seca,
o gume-instante da labareda esguia.
XIX
e perdem-se animais
ao pôr do sol,
e chegam cães de longe
a farejar a espera,
e os rebanhos unidos
são mais lentos
e alongam as mil patas
num caminhar dorido
e delicado.
as vozes simplificam-se
e as visitas
são mais longas, mais serenas, mais alheias.
a terra espera unida aos animais
e à gente e à obra: as mãos
as orações e a alegria.
os corpos
surgem nus
e os pés descalços
e as mãos são magras
e dorme-se ao relento.
e o cheiro das manadas
monta a brisa
para polvilhar a noite
de um pó de ouro
em que faísque
o sol da madrugada.
e se arredonda, em gotas duradoiras,
o derradeiro orvalho da estação.
Ruy Duarte de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário